Anarquilha

Valeu, Marcos Valle

Na estreia da coluna Anarquilha, jornalista Alceu Toledo Junior entrevista o compositor Marcos Valle, autor de Vamos Pranchar, dentre outros sucessos.

Marcos Valle, de calção listrado, local do Arpoador no início dos anos 60. Sentado, seu irmão Paulo Sérgio.

Amigos e amigas do Waves, galera geral! É uma alegria imensa estar de volta ao amado portal onde escrevemos tantas histórias iradas desde quando participei do lançamento em 1998, como editor.

Agora, com a coluna Anarquilha no meu personagem mais surfer alien de capital paulista, onde estou meio sem querer. Meu sonho era voltar a morar no Rio de Janeiro, onde vivi no início dos anos 80, ou em Santos, terra do meu amado Santos Futebol Clube.

Viver no Rio de Janeiro é morar bem demais. Boas ondas, clima perfeito, mulheres maravilhosas, Maracanã lotado, mas um caos urbano de muitas emoções a cada swell e também em cada novo assalto ou enquadro.

Um dia, durante um chat de trabalho, sugeri para o meu amigo Fernando Iesca, o diretor do Waves, a criação desta coluna Anarquilha para jogar uma conversa e falar das coisas boas do surfe, a cultura, a evolução infinita, e também das coisas meio chatas, como o mercado e as roubalheiras das baterias.

Também falamos da coluna falar de música, meio ambiente, moda e de outros temas nacionais, internacionais e interplanetários, sobretudo agora que ocorre um repentino abate de ovnis que aparentemente são terráqueos mesmo.

Como muitos da nova geração não me conhecem, vou me apresentar: 63 anos, 37 anos de mídia. Fiquei em pé pela primeira vez numa prancha em 1974, praia de Pitangueiras, Guarujá (SP). Já fui editor das revistas Fluir, Hardcore, Off Shore e Guitar Player BR. Também fui editor de uma aventura pseudo editorial que apelidei de gestaposurf, mas graças a Deus fui demitido a tempo de tentarem me converter. Fui frila da Inside e da Venice por muitos anos e também escrevi uma vez para a Trip e outras publicações bem menos importantes.

Conheço in loco a cena do surfe na Argentina, México, Estados Unidos e Havaí. O mais próximo da Europa que já estive foi quando escrevi um texto para a revista espanhola Tres60, sobre a cena heavy metal e punk aqui no BR, nos anos 90, nem sei se essa revista ainda resiste. Também nunca fui para Austrália ou Indonésia.

Entre personagens de várias áreas diferentes e equidistantes entre si, entrevistei Dick Dale, Joey Ramone, Jello Biafra, Mike Patton, Kelly Slater, Tom Curren, Nat Young, Sunny Garcia, Richie Collins, Peter Troy, Peter Townsend, Brad Gerlach, Mark Richards, Wayne Bartholomew, Dick Brewer, Ben Aipa, Derek Hynd, Cheyne Horan, Sally Fitzgibbons, Bethany Hamilton, Garrett McNamara, Johnny Boy Gomes, Buttons Kaluhiokalani, Damian Hardman, Dave Macaulay, Bad Brains, Nuclear Assault, The Church, Midnight Oil e outras paradas que eu esqueci.

Do lado de cá, falei com Picuruta, Almir e Lequinho Salazar, Paulinho, Amaro e Neno do Tombo, Tinguinha, Luiz Neguinho, Taiu, Dadá Figueiredo, Pedro Muller, Gabriel Medina, Silvana Lima, Carlos Burle, Eraldo Gueiros, Adriano de Souza, Yago Dora, Roberto Valério, Ricardo Toledo, Rodrigo Koxa, Maraca, Ricardo Bocão, Teco Padaratz, Fabinho Gouveia, Renan Rocha, Aurélio Miguel, Hortência, Chloé Calmon, Mariana Becker, Claudia Ferrari, Claudia Saboia Lemos; governador Mário Covas, governador Esperidião Amin, governador Leonel Brizola, vice-presidente Aureliano Chaves, presidente Andrés Perez (Venezuela), vereador Eder Jofre, senador Tancredo Neves, senador Teotônio Vilela; Tostão, Zico, Sócrates, Falcão, Denilson, Casagrande, Rogério Ceni, Zagallo e Ziraldo; as bandas Ratos de Porão, Replicantes, Titãs, Blitz, Plebe Rude, Sepultura, Helena Meireles; e os cronistas esportivos que eu sempre admirei Luiz Mendes (o homem da palavra fácil), Sergio Baklanos, Orlando Duarte, Alberto Helena Junior e Vital Bataglia, entre outros que eu também esqueci.

Meu sonho era entrevistar o genial compositor e guitarrista Frank Zappa, meu grande ídolo do rock. Mas, não tive tempo, ele se foi cedo deste mundo, em 1992, assim como Jimi Hendrix, bem antes. Gostaria de ter entrevistado também outro gênio que eu curto demais, Miles Davis.

Enfim, eu não entrevistei o Zappa, mas tirei uma foto do George Duke, tecladista da segunda fase da banda dele, o Mothers of Invention, durante um festival de jazz no Rio de Janeiro, em 1978, quando eu dei de cara com este parceiro fundamental. Ele estava junto com o baixista Stanley Clarke, então da banda Return To Forever, outro grupo emblemático da era do jazz fusion.

Também conheci o violinista francês Jean-Luc Ponty. Mas, ele foi meio estrela na entrevista e disse que não iria falar sobre os tempos que ele tocou com Frank Zappa e John McLaughlin, da Mahavishnu Orchestra. Então, o resto da entrevista foi total perda de tempo.

Porém, destino generoso e tive a oportunidade de entrevistar o carioca Marcos Valle, cantor, compositor, pianista, tecladista e surfista, autor de Vamos Pranchar, grande ídolo da MPB, criador deste hit remoto de praia, 1964, uma pedrada da mesma geração de Surfboard, de Tom Jobim, e Exército do Surf, da ternurinha loura Wanderléa.

Para quem anda esquecido, Marcos Valle também criou músicas temas de novelas, como Pigmalião 70, O Cafona e Ossos do Barão, bem como a clássica abertura de Vila Sésamo, programa infantil de muito sucesso nos anos 70.

Na boa, muito privilegiada a oportunidade de falar com Marcos Valle, 79 anos, um legend do surfe e um monumento da música brasileira, ainda mais para estrear minha coluna no Waves! A entrevista já era pra ter sido publicada há uns tempos. Mas, uns contratempos deram uma embaçada e graças ao empenho do Fernandera estamos aê.

Voltando à minha retrospectiva, meus melhores amigos no surfe sempre foram Marcelo Torok, Nelsinho Corvo e Edilson Souza entre a galera da rua. Dadá Figueiredo, o surfista punk, bem como Julio Adler, o texto mais natural e sobrenatural do surfe brasileiro, são grandes pirações e inspirações incomuns.

Entre o povo da mídia, minha admiração e amizade por Carol Keller, Felipe Fernandes, Rafael Sobral, Bruno Lemos, Alberto Sodré, Reinaldo “Dragão” Andraus, Zé Lúcio Cardim, Marco Ferragina, Agobar Junior, Cândido Coelho Neto, Marcelo Bueno, Carlos Lorch, Fernando Iesca, Ricardo Macario, Nancy Geringer, Xandão Barros, Adrian Kojin, Alexandre Versiani, Alexandre Toledo Piza, Chico Padilha, Veri Bressane, Fábio Maradei, Fábio Bolota, Paulo Anshovinhas (corajosamente, publicou meu pior texto, Skate of Fuck, numa das primeiras edições da revista Yeah!), os irmãos Bebeto, Ado (velho Carsa) e o Claudio Martins de Andrade (Alemão Claudjones), fundador da Fluir, Waves e Surf & Beach Show, o grande kahuna midiático que me trouxe para este mundo das ondas fluidas em 1985, quando eu era bagre das Relações Públicas da Infraero, no aeroporto do Galeão e estagiava na Aipress.

Outros caras irados do percurso, mestre das letras Tulio Brandão, Pablo Dominguez, Fernando Costa Netto, Marcelo Lacerda, Ricardo Bocão, João Valente, Fred d’Orey, Ledo Ronchi e Alexandre Andreatta, meu chefe na Fluir nos anos 80.

Por essas e outras, acabei me tornando editor do site Waves por longos 15 anos, da fundação em 1998 até 2013, e hoje ainda monto as minhas pautas nos finais de semana. Também tenho um blog que está meio parado, o Surfreak – manobras impussyveis. E estou com outro projeto em andamento, o Bikini LIFE, site de moda praia para mulheres.

Mas, a parte realmente interessante da minha carreira foi ter sido empresário da banda hardcore Ratos de Porão. Nunca ganhei assim uma grana com esta história de punk, mas era muito divertido viajar com aqueles malucos da Vila Piauí e fazer shows no Rose Bom Bom, Madame Satã ou Circo Voador, lá pelo final dos anos 80.

No final, acabei dando uma contribuição quando escrevi, em parceria com o vocalista João Gordo, algumas letras em inglês para aquele que seria o álbum grunge deles: Just Another Crime in Massacreland, com as faixas Satanic Bullshit, C.R.A.C.K. e Video Macumba, minha obra prima, um monstrengo grindcore que fala de uma fita maluca enviada por Mike Patton, do Mr. Bungle e do Faith No More, para o Max Cavalera, quando ele ainda era do Sepultura.

Também trabalhei em alguns jornais e na agência Publifolha. Mas, nunca fui muito atraído para este negócio de ser redator publicitário ou repórter com hora para chegar e não ter hora para sair.

Então, minha carreira na grande imprensa simplesmente não decolou. De qualquer maneira, a principal reportagem até hoje foi fora do meio do surfe, quando escrevi sobre o futebol na masmorra medieval do Carandiru, para a revista Placar, em 1996.

Como nenhum jornal aqui me mandaria cobrir eventos no Havaí, Califórnia, Austrália ou México, acharam por bem me mandar pra cadeia, onde passei cerca de um mês enjaulado, dia sim, dia não, para entrevistar condenado e falar de bola no terrão do Pavilhão 9.

Isso bem antes de Os Racionais lançarem a icônica crônica hip hop Diário de um Detento.

Foi uma experiência única. Cheguei a almoçar em cela com os prisioneiros. E também entreguei taça para time campeão de uma das ligas internas do presídio. Essa matéria, A Bola Rola Solta Na Cadeia, me trouxe um momento de libertação na vida, pois fez parte de um especial da editora Abril, 100 Anos de Revista no Brasil, publicação que circulou apenas para alguns privilegiados e que me foi presenteada por outro grande amigo que fiz no surfe, o diretor de arte Fábio Bosquê Ruy.

Pessoalmente teve um importante significado, uma vez que o meu velho pai era cria da Abril. Onde estiver, imagino que ele teria ficado contente por conta da minha reportagem ter ido parar na história das revistas no Brasil, justamente onde ele gostava tanto de trabalhar.

Ainda tive publicada outra reportagem na cadeia, desta vez para o falecido Notícias Populares. Ali emplaquei uma grande manchete no jornal que espremia e saía sangue: Terapia do sopapo acalma presos na detenção!

Manchete de autoria de um surfista, Fernando Costa Netto, o Dandão, local do Monduba, Guarujá, anos 70, cria da Trip e então editor do jornal mais bizarro da história da imprensa no país. O famigerado NP, que todo mundo lia pendurado nas bancas mas que ninguém comprava. Estampava o bandido da luz vermelha ou o bebê-diabo, trazia verdades e mentiras que marcaram época com as manchetes mais sensacionalistas, surrealistas e escandalosas.

De volta ao meio do surfe, a reportagem sobre o Hang Loose Pro Contest 1986, publicada na Fluir 18, chegou a ser bem elogiada, a ponto de eu ter levado um prêmio de melhor reportagem da história, oferecido pela Assembléia Legislativa de São Paulo, em 2004, em homenagem ao Dia do Surfe.

Então, esta é a parte boa da minha história profissional. E eu me sinto bastante realizado por estar aqui, de volta ao Waves pela porta da frente, reconhecido pela minha biografia e por ter feito a minha parte nessa história de compromisso com o esporte, apoiando campeonatos, divulgando atletas e inspirando a transformação pelas ondas.

Até porque hoje o surfe no Brasil nunca esteve tão em alta. E isso tem muito a ver com as performances aéreas de Gabriel Medina, Italo Ferreira, Filipe Toledo e outros voadores de muita imaginação em cima de uma prancha, legítimos herdeiros da tradição em nosso país e que vem desde Santos Dumont, o pai da aviação!

Depois dos recentes títulos mundiais, incluindo a medalha de ouro do Italo, premiações em ondas grandes, livro de recordes com Rodrigo Koxa e a maior onda da história, por aqui só se fala de surfe. E isso nem poderia ser diferente, pela avalanche de boas notícias,  sobretudo depois de tantos anos de dificuldades, incompreensão, ostracismo, roubadas e decepções no circuito mundial.

Mas, aqui já tem bastante gente falando e bem do surfe competição. Então, na estreia da minha coluna Anarquilha eu aproveito para sair do palanque e falar um pouco de MPB e de Arpex anos 60, afinal, eu entrevistei nada mais nada menos que o lendário Marcos Valle, gênio criativo de dezenas de discos e que, não por acaso, era um lendário local do tradicional pico do Rio de Janeiro.

Marcos Valle é o autor, em parceria com o irmão Paulo Sérgio, da clássica Vamos Pranchar, uma bossa de batida perfeita e que descreve de forma totalmente lúdica o nascimento do surfe nas não menos clássicas esquerdas do Arpoador, berço esplêndido do surfe nacional.

Ao lado de monstros sagrados da MPB, como Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Eumir Deodato, Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, entre tanto outros gênios que vão de Villa-Lobos a Pixinguinha, de Tim Maia a Chico Science, Marcos Valle construiu sua imensa reputação com centenas de sucessos nas praias da bossa-nova, tropicalismo, funk samba, eletro e até mesmo do rap mais recentemente, ao ser sampleado por artistas como Jay Z, Kanye West, Pusha T e Marcelo D2.

Numa entrevista concedida por e-mail, muito gentil e atencioso com o nosso Waves, Marcos Valle conta detalhes da época de ouro do surfe no Arpoador, falando sobre a galera e a cena toda.

Ele também fala de seu maior sucesso, Samba de Verão, a segunda música brasileira mais importante da história, depois de Garota de Ipanema. “Sou muito grato ao Samba de Verão, que foi um sucesso na minha carreira muito cedo. Afinal, Samba de Verão estoura em 1964 no Brasil. Eu nasci em 1943, estava ali com 21 anos. Com 21 anos você já tem uma música que se torna a segunda música brasileira mais importante no mundo até hoje, então, eu sou muito grato à ela”, revela.

Mas, dentro d’água, Vamos Pranchar era mais cantada. “Em 1964, no Arpoador, a música Vamos Pranchar era mais sucesso do que Samba de Verão, justamente por falar do nosso esporte. Era comum a gente descer as ondas cantando Vamos Pranchar”, recorda.

Como cortesia ao Waves, ele enviou uma versão instrumental fantástica de Vamos Pranchar, que eu nem sabia da existência. E veja que, das cerca de 800 músicas compostas por ele, eu tenho pelo menos umas duzentas no meu iPod, melodias e letras incríveis como Próton, Elétron, Neutron, Wanda Vidal, Ela é Carioca, Com Mais de Trinta, Mentira, Que Bandeira, Os Grilos, México 70, O Cafona, Democústico, Mustang Cor de Sangue, Flamengo Até Morrer, Meu Herói, Parabéns e tantas outras que nem tenho como despejar tudo por aqui, algumas destas estão num playlist mais abaixo.

Pra ir logo direto ao assunto, Anarquilha é um projeto de longa duração e, com o tempo, espero que se torne um espaço interativo bem divertido para discutir este lance de onda e de outros temas que podem ter alguma coisa a ver.

Não hesitem disparar o clique aqui para meter o pau do Fórum, para descer a lenha, esculachar legal ou sugerir novos conteúdos. Mas, também agradeço a quem, por ventura, venha a tecer alguns elogios, até eu entrar novamente em forma e acertar a mão legal deste digitalk.

Logo eu volto com mais gás, novas pautas, novos assuntos e temas mais salgados destes de todo mundo xingar ou achar o máximo! Enquanto isso, espero que saboreiem, sem pressa, essa tão esperada entrevista com o ídolo Marcos Valle.

Em 1964, ano do golpe militar, você lançou a clássica música Vamos Pranchar, um dos primeiros registros do surfe na MPB. O que te inspirou nesta composição?

Eu comecei a pegar onda mesmo em 1960 no Arpoador. E essa música, Vamos Pranchar, é uma consequência disso aí. Da mesma maneira de Samba de Verão, que se tornou um sucesso, e que também fala dessa coisa de sol, de praia, de mar, enfim, da sensualidade que existe no esporte.

No fundo, foi assim que me inspirei para fazer Samba de Verão. E Vamos Pranchar também, que era isso, mas mais específico. Imaginei aquela coisa mesmo de estar descendo a onda, aquelas pranchas de madeira da época, muito instáveis nas manobras, as meninas esperando na areia. Poucas as mulheres pegavam. As garotas que pegavam onda eram a Fernanda Guerra, Maria Helena Beltrão, não tinha mais, talvez mais uma. As namoradas ficavam esperando na areia.

Então, essa música Vamos Pranchar é bem essa visão. Ela foi lançada por mim, na verdade, um pouco antes do golpe militar. Quando eu fiz Samba de Verão e a gravadora viu que ia se tornar um sucesso, eu gravei um compacto simples. Não deu para esperar um segundo disco.

Eu tinha gravado meu primeiro disco em 1963 e o segundo ia sair exatamente em 1964. Mas, não dava para eu esperar sair o disco, porque a música estava precisando ser lançada logo, segundo o plano de divulgação da gravadora, que era a Odeon.

É uma gravação que um lado é Samba de Verão e o outro lado é Vamos Pranchar. Muito engraçado nisso tudo, é que Samba de Verão estourou no mundo inteiro e também ali no Arpoador. Mas, para te falar a verdade, no Arpoador a música Vamos Pranchar era mais sucesso do que Samba de Verão, justamente por falar do nosso esporte.

Era comum a gente descer as ondas cantando. O pessoal também cantava comigo, os outros surfistas, era uma coisa bem interessante.

Como foi que você e o teu irmão começaram a surfar no Arpoador?

Sim, eu e o meu irmão surfávamos no Arpoador, isso é verídico. A gente sempre foi muito ligado em esporte por conta do meu pai. Ele era advogado mas nos incentivou aos exercícios, ele mesmo gostava muito.

E desde cedo nos acostumamos a fazer todos os tipos de esportes, começamos com o jiu-jitsu e a natação, que aliás foi ótima quando a gente resolveu pegar onda. E a gente morava perto da praia, em Copacabana, quase no Posto 6. Dali para o Arpoador era um pulo.

Então, a gente pegou onda ali por muito tempo. Paulo Sérgio pegou mais tempo, porque  logo eu fui para os Estados Unidos pra tocar lá, bem cedo. Aí, eu parei. Quando eu voltei, trouxe uma prancha de fibra de vidro, mas não continuei, porque aí eu já estava seguindo a minha carreira musical, mas o meu irmão seguiu mais tempo surfando.

Quem fazia parte da turma do surfe dos irmãos?

A turma era o Arduíno Colassanti, Jorge Paulo Lehman, Mário Bração, Jaime, que a gente chamava de Persegue e era muito bom, Geraldinho Dutra, Valcir, que a gente chamava de 22, porque existia o 21 na praia.

Quem mais? Eu lembro também do Sabu, que ficava ali com a gente, Charuto, que depois se tornou dono da marca de roupas Richards. Tinha os irmãos Mudo e Mudinho. Essa era a turma que pegava com a gente nessa época.

Como era a cena do surfe em Ipanema e arredores?

A cena do surfe em Ipanema era bem concentrada no Arpoador. De vez em quando, eu me lembro que a gente fazia umas incursões na praia da Macumba, mas era difícil porque as pranchas de madeirite eram pesadas, a gente tinha que arrumar carro, isso quando a gente conseguia.

Um pedia o carro do pai, outro pegava não sei das quantas e era complicado chegar à praia da Macumba. Tinha que subir a pé, aquela grama, aqueles morros todos pra chegar. Não era fácil não, mas a gente ia.

Mas, aquela cena de Ipanema era concentrada mesmo no Arpoador. Todo mundo ali no calçadão, batendo papo, trocando ideias sobre revistas americanas de surfe quando chegavam.

Quando tinha filme sobre surfe todo mundo ia ver junto. Fernanda Guerra fala uma coisa, e é verdade, teve um filme que quem quisesse levar a prancha não pagava. Tinha umas festas no fim de semana entre os surfistas.

Era um clima bem assim, uma cena americana adaptada ao Rio de Janeiro. Era todo mundo amigo, todo mundo surfista, todo mundo saudável, os namoros eram ali mesmo. Enfim, era uma cena bem alegre que existia ali nessa época.

Pranchar era tipo uma gíria na época?

A gente usava a palavra pranchar, sim. “Vamos pranchar”, por isso que eu resolvi colocar. Foi uma ideia que eu tive e passei para o meu irmão, mas eu colaborei bastante nesta letra.

Normalmente eu faço a música e o meu irmão faz a letra. Mas, nessa música eu fiz “vem, vamos entrar nessa onda, vamos descer essa onda, leva sua prancha pro mar… você não deve ter medo, veja que não tem segredo, é só se equilibrar”.

Enfim, a letra toda é assim, muito eu imaginando estar pegando onda, eu mesmo descendo a onda. Então, esse termo era muito usado, “vamos pranchar”. Eram aquelas pranchas de madeirite, pesadas, tinha que carregar na cabeça.

E a gente usava um pé de pato, cortado, senão não dava pra subir na prancha, usava pra dar um pouco de impulso e compensar um pouco do peso da prancha.

Havia outros surfistas naquela cena de Bossa Nova no início dos anos 60?

Tinha outros surfistas, mas não vou lembrar de todos. Não eram tantos, mas os que eu me lembro são os que eu citei. Tinha alguns de nomes engraçados, o Macaco, ele era muito bom. Ele mesmo se apelidou assim. Depois que veio outra geração.

Encontrei ao menos duas interpretações bacanas de Vamos Pranchar, uma com o Quarteto em Cy e outra, em inglês, com Sylvia Telles, que inclusive faz parte da trilha sonora de um vídeo com a surfista australiana Stephanie Gilmore.

Eu não conhecia esse documentário da Stephanie Gilmore, com a gravação da nossa música pela Sylvinha Telles, não conhecia não. Fui ver depois que você me falou e estou curtindo muito. Eu adoro essa gravação da Sylvinha Telles, acho ótima. Ela foi feita primeiro no Brasil, depois nos Estados Unidos.

A do Quarteto em Cy também é muito boa. E eu gravei, você não conhece essa gravação, como eu falei no início. Porque a gente estava num compacto, não estava num LP. Só depois, nos relançamentos, quando relançam meus discos no Japão, na Europa, tal, e no próprio Brasil. Quando fizeram relançamentos incluem como faixa bônus.

Eu acho que Vamos Pranchar entra no meu segundo disco, Um Compositor e Um Cantor. Originalmente, não estava. Então, tem essas gravações, da Sylvinha, do Quarteto e essa minha também. De repente, vou procurar essas coisas no YouTube e te mando.

Com uma tonelada de clássicos em sua carreira, Samba de Verão é a mais conhecida de todas. Mas, qual a sua música preferida?

É difícil dizer qual é a música preferida, porque tem umas coisas que você vai gostar mais, porque, de repente, tiveram mais sucesso. Logicamente eu sou muito grato ao Samba de Verão, que foi um sucesso na minha carreira muito cedo. Afinal, Samba de Verão estoura em 1964 no Brasil. Eu nasci em 1943, estava ali com 21 anos. Com 21 anos você já tem uma música que se torna a segunda música brasileira mais importante no mundo até hoje, então, eu sou muito grato à ela.

E adoro ouvir todas as versões, cada tipo de reação que faz ser diferente, dentro do jazz, do pop, se é DJ, eu gosto de tudo. Eu sou um cara muito aberto para essas coisas. E gosto muito de incluir no show. As pessoas gostam muito.

Mas, eu vou mudando os arranjos. Samba de Verão tem vários e vários arranjos, exatamente para estar sempre renovando. Eu Preciso Aprender a Ser Só, Terra de Ninguém, tem Estrelar (Tem que correr, tem que suar, tem que malhar, vamos lá! Musculação, respiração, ar no pulmão, vamos lá! Tem que esticar, tem que dobrar, tem que encaixar, vamos lá! Um, dois e três; é sem parar, mais uma vez…), é tanta coisa, nem sei.

Eu tenho umas 800 músicas. E eu também sou muito ligado nas coisas que eu acabo de fazer. Então, é difícil escolher. Mas, é como eu disse pra você, Samba de Verão foi um cartão de visita muito importante pra mim, tanto no Brasil quanto no exterior.

O que acha de ser sampleado por caras como Marcelo D2 e por Jay Z?

Essa coisa de ser sampleado foi excelente para mim. Da mesma maneira que ali, na década de 90, os DJs europeus descobriram minha música e começaram a tocar nas pistas de dança e aquilo foi despertando o interesse daquela garotada, e isso abriu totalmente um outro público pra mim, a coisa do sample também.

Quando o Marcelo D2 sampleou Mentira, aquilo foi ótimo. Ele fez quando estava com o Planet Hemp, depois ele fez também quando estava em carreira solo. Excelente, isso foi muito bom.

Isso aí, fora do Brasil, começou com um atrás do outro. Quando eu vi, era muita coisa, Jay Z, Kanye West, Pusha T, Tom Misch, meu parceiro, meu amigo, que depois eu conheci. E tem outros, Childish Gambino, um atrás do outro. E eu gosto muito.

Quando ouvi o Jay Z, eu gostei demais que ele pegou minha música chamada Ele e Ela e virou Thank You. Kanye West pegou minha música Bodas de Sangue e transformou em New God Flow. Pusha T também botou uma música chamada Pain com Bodas de Sangue.

Acho isso muito bom, porque além do fato de eu gostar mesmo, você pega um público diferente. O cara que vai ouvir o Jay Z, e aquela música foi bastante sucesso com ele, as pessoas querem saber que sample é aquele. Quem não conhece o Marcos Valle, ali da turma dele, vai acabar sabendo. E com isso você vai adicionando público. Isso tudo é absolutamente bem-vindo.

Em sua imensa discografia arrasadora, qual álbum recomendaria para as novas gerações de surfistas?

Recomendaria para a turma do surfe, o meu álbum mais recente, Cinzento. Esse disco, tudo de música nova que eu fiz, é muito groove. O nome é Cinzento, embora seja engraçado por eu estar falando com o pessoal do surfe, porque eu acho que o momento de cultura no Brasil, de arte, é complicado pelo tipo de conduta de governo que a gente tem.

Então, botei o nome de Cinzento por causa disso, da coisa do prejuízo à cultura. Mas, apesar de ser Cinzento, ele é muito suingado. As músicas são todas minhas mas tem letra do Emicida, que aliás chama Cinzento e ele canta comigo.

Tem músicas com o Bem Gil, Moreno Veloso, Zélia Duncan, Domenico Lancellotti, Kassin, Jorge Vercilio. Também tem uma letra do meu irmão, letra do Ronaldo Bastos. Então, é um disco que tem um groove e ao mesmo tempo tem um mistério. Tem um verão presente ali, eu recomendaria: Cinzento.

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